terça-feira, 6 de maio de 2014

O MEDO DO ADICTO

O medo do Adicto
Estou completando hoje 56 dias dos 60 dias em que estou nesta clinica de recuperação. São 56 dias limpo, 56 dias em que ganhei uma nova perspectiva de vida sem a droga.
Estou feliz aqui, ganhei verdadeiros amigos que me entendem, que me ajudam, que compartilham seus problemas, confidenciam medos, esperanças. Compreendem a minha compulsão, meu desejo insano por drogas, todos nós aqui estamos passando pelos mesmos problemas.
Ganhei uma serie de conhecimentos que me ajudam e ajudaram a combater esta loucura. Descobri principalmente que o problema que me atormenta não é só a droga, ela é apenas um ponto dentro de pontos, ela é bengala que necessito para poder caminhar, ela é a desculpa para meus medos e minhas ansiedades. Um porto seguro para tudo aquilo que não tenho coragem de fazer ou ser.
Aprendi que não basta apenas ¨Eu¨ parar de usar drogas, ¨Eu¨ tenho de deixar de ser uma droga, ¨Eu ¨ tenho que parar de pensar como Adicto. Tenho de mudar atitudes, tenho de deixar de ser o centro do universo para ser parte dele. Isto é que é o verdadeiro sentido da ¨Recuperação¨.
Meus defeitos acumulados por anos, outros desenvolvidos foram moldando minha personalidade e fazendo parte essencial de toda a lou-cura que me tornei hoje, isto, é que tenho de Mudar. Mudar a mim não a droga e se não o fizer isto; se não mudar meu interior; estarei apenas mudando meu vício, minha droga.
Hoje deslumbro um outro pensar, um outro mundo, a minha serenidade atingida me acalma e me torna um ser humano mais capaz, um ser que não precise mais de desculpas para suas fraquezas, para sua falta de coragem diante da vida, diante das pessoas, dos sentimentos, do mundo. Que não precise mais se drogar para se anular ou para se fazer valer como gente perante uma situação ou uma decisão.
Aqui na clinica me sinto protegido, aqui tenho limites, me sinto cercado por muralhas, tenho normas, regras e responsabilidades. Sinto-me amparado por amigos, socorrido por terapeutas, tenho coisas que nunca pude presenciar de verdade, sou um ser que a cada dia conquista uma batalha e agradece por ter tido mais um dia de sobriedade.
Confesso que tenho medo do mundo lá fora, faltam apenas 4 dias para minha internação acabar, logo estarei lá fora e estarei por minha conta. Claro que terei apoio dos amigos conquistados, todos estarão sempre prontos a me ¨Ajudar¨, as ferramentas que aprendi estarão ao meu dispor, todo o conhecimento adquirido terá de ser colocado por mim em prática. Mas, apesar de tudo isto, confesso, tenho medo. Mas meu medo maior não é do mundo lá fora, não são dos amigos dos tempos de uso de drogas que deixei, não são dos lugares que freqüentei, nem da boca de fumo da qual freqüentava e me sentia sócio. Meu maior medo é o da minha ¨Casa¨, parace incrível, este é o lugar hoje mais assustador para mim.
Dos amigos de uso eu me afasto, os lugares eu evito, a boca eu nem passo perto, mas, da minha casa, é complicado!
Todo aquele ambiente esta de braços abertos a minha espera. Todas as atitudes alheias estão a minha espreita, os ressentimentos causados ainda estão a flor da pele, o caos que existiu um dia ainda impera.
¨Meus familiares¨ ainda são o que deixei a cerca de 60 dias atrás. Eles não mudaram, não se redescobriram, não se recuperaram. Vou encontrar as mesmas pessoas, as mesmas atitudes, os mesmos sentimentos, os mesmos medos, os mesmos defeitos, os mesmos conflitos, a mesma pseudo-sabedoria. Tudo aquilo que conheço de todos a anos. Vou encontrar toda a insanidade que ficou, isto me trás medo, o medo de que não tenha condições de suportar todo o descontrole que é a ¨minha família¨.
Sei que sou portador de uma doença sem cura, porém, sei que minha doença tem controle desde que eu me utilize de todas as armas que aprendi. Hoje tenho conhecimento que ¨Meu familiar¨ também é portador de uma doença, na qual a ¨negação¨ e um dos seus sintomas mais fortes. Admitir para si que erros foram cometidos e que sua vida esta baseada em mentiras é para ¨Ele¨ inaceitável, ficando mais fácil encontrar culpados, ficando mais fácil ser uma vitima. Este não aceitar me causa temor, sou um doente em ¨Recuperação¨ que vai conviver com doentes que não aceitam a sua doença e nem admitem uma ¨Recuperação de si¨.
Temo por ¨minha recuperação¨, pois, as conquistas de cada 24h que tive me são extremamente valiosas, a dor para conquistá-las me foram muito doídas e não quero perder a guerra que apenas comecei a vencer. Fazer-me dono de novo da minha vida me faz sentir tudo de bom que posso ter, me faz ver todas as dores que causei a mim e que não quero mais ocasionar.
Voltar para ¨Minha casa¨ me atemoriza porque vou encontrar tudo aquilo que por minha incompetência como ser humano me deixei possuir. As mesmas idéias, os mesmos preconceitos, todas as mentiras ditas como verdades ainda estarão lá instaladas. Eu mudei, mas, meu familiar infelizmente não. Meu familiar ainda estará cheio de sua arrogância, cheio de sua sabedoria alheia e de sua ignorância de si.
Tenho medo da ¨Casa¨ que deixei a cerca de 56 dias atrás, que esta ¨Casa¨ acabe com todo o aprendizado que adquiri e todo o controle que hoje e só por hoje, agora e só por agora, tenho sobre minha doença. Minha ¨Casa¨ possui todas as ferramentas, todas as facilidades para que eu venha a fraquejar, tenho todas as chances de me deixar levar de volta ao uso de drogas. Quero que minha sobriedade impere sobre mim hoje e quero que isto permaneça inalterado.
Sei que ¨Meu Familiar¨ não é culpado por minha drogadição. Ele é uma pessoa que também sofre com a sua compulsão de Controle e Sabedoria. Estando cego por suas drogadições conquistadas, por seus conceitos preconceituosos, por seus conselhos concedidos e não aplicados. Sinto que sua drogadição pode me fazer voltar as minhas drogadições.
Aprendi aqui na clinica que tenho que evitar lugares e pessoas, para que estes não venham a atrapalhar a minha Recuperação. Tenho muito ainda que fazer. Percebo que terei muitos desafios a enfrentar e entre eles esta ¨O Meu Familiar¨. Ele é tudo aquilo que ¨Eu¨ sempre cultuei, ele é aquilo que eu sempre quis que ele fosse, os seus defeitos de caráter são tudo o que eu preciso para continuar a ser um drogado e estes defeitos ainda estão latentes e podem contagiar-me.
 Talvez ¨Eu¨ tenha que deixá-lo no meio do caminho.

Me ¨desligando¨ dele com Amor.

Para que ¨Eu¨ possa ganhar hoje e só por hoje a tão sonhada ¨Recuperação¨.

TEXTO RETIRADO DO BLOG:http://modificaramimmesma.blogspot.com.br/2012/03/o-medo-do-adicto.html

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